o homem é tão apegado ao que existe que acaba por preferir suportar a sua imperfeição

31.8.12

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Em geral, essa sensação de estar só no mundo aparece mesclada a um orgulhoso sentimento de superioridade: desprezo aos homens, acho que são sujos, feios, incapazes, ávidos, grosseiros, mesquinhos; a minha solidão não me assusta, é quase olímpica.

Mas naquele momento, como em outros semelhantes, encontrava-me só em consequência dos meus piores atributos, das minhas baixas acções. Nesses casos sinto que o mundo é desprezível, mas compreendo que também eu faço parte dele; deixo-me afagar pela tentação do suicídio, embriago-me, procuro as prostitutas. E sinto uma certa satisfação em provar a minha própria baixeza e em verificar que não sou melhor do que os sujos monstros que me rodeiam.

(...)

O suicídio seduz pela sua facilidade de aniquilação: num segundo, todo o universo absurdo cai como um gigante simulacro, como se a solidez dos seus arranha-céus, dos seus encouraçados, dos seus tanques, das suas prisões não fossem mais que uma fantasmagoria, não mais sólidos que os aranha-céus, encouraçados, tanques e prisões de um pesadelo.

A vida aparece à luz desse raciocínio como um longo pesadelo, do qual, no entanto, cada um pode libertar-se com a morte, que seria, assim, uma espécie de despertar. Mas despertar para quê? Essa relutância em lançar-me ao nada absoluto e eterno foi o que me deteve em todos os meus projectos de suicídio. Apesar de tudo, o homem é tão apegado ao que existe que acaba por preferir suportar a sua imperfeição e a dor que causa a sua feiúra, a aniquilar a fantasmagoria num acto de vontade própria. E costuma acontecer, também, que quando chegamos a essa beira do desespero que precede o suicídio por ter esgotado o inventário de tudo o que é mau e ter chegado ao ponto em que o mal é insuportável, qualquer elemento bom, por menor que seja, adquire um valor desproporcional, acaba por se tornar decisivo, e aferramo-nos a ele como nos agarraríamos desesperadamente a qualquer erva perante o perigo de rolar num abismo.

from El Túnel by Ernest Sábato

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